sábado, 8 de fevereiro de 2014

Será mesmo que algumas mulheres brancas estão preferindo homens negros? por Gilson Rego

Estranhamente não se ouve falar de qualquer trabalho jornalístico ou de pesquisa acadêmica e muito menos um simples texto de poucas linhas, cujo enfoque gire em torno da “preferência” feminina branca por homens negros.
Os relatos têm mostrado o incômodo de certos jornalistas, a maioria de cor branca, passando por boa parcela da classe média, aquela que comanda o país desde o século XVI, portanto branca também, juntamente com os comentários de pessoas do senso comum, chegando às pesquisas e discussões dos movimentos negros, atores estes que deram visibilidade ao tema com maior intensidade e qualidade nas investigações.

Virou moda escrever e falar das relações afetivas dos homens negros que quando ascendem, social e economicamente buscam, em sua maioria, parceiras brancas, principalmente aquelas com cabelos quimicamente modificados. Porém, quase sempre tal busca costuma aparecer na literatura e em diversos espaços de discussão, em tom de acusação e repudio a exemplo do texto, publicado recentemente pelo jornalista Paulo Nogueira.

O material de título “De Pelé a Joaquim Barbosa, é sempre a mesma coisa”, o qual apesar de expressar um pouco a falta de criatividade por parte do autor, pelo simples fato de o texto, não acrescentar outras informações, é também muito parecido com o livro da pesquisadora e mestre em Ciências Sociais, Claudete Alves, “Virou Regra?”, que aborda a temática em questão.

Quanto ao recorrente repúdio de boa parcela da classe média, inclusive de alguns jornalistas, até se entende, haja vista, quase sempre se tratar, daqueles privilegiados secularmente; os quais acreditam ser uma grande “violação de espaço”, o homem negro, ou mulher negra, buscarem pessoas “pertencentes” a aquele grupamento racial, o qual costuma ser visto como ocupantes de posições ou “hierarquias superiores” na sociedade brasileira. Afinal, no imaginário do racismo, prevalece a fantasia na qual as mulheres e homens brancas(os) devem “pertencer” e se relacionar, apenas neste grupo (endogamicamente). Sendo assim, qualquer procedimento diferente, costuma deixar os homens deste grupamento um tanto fragilizados ou confusos, frente a seus machismos estabelecido ao longo dos séculos.

Mas deixando a digressão dos incomodados de lado, o fato que chama mais atenção, diz respeito ao lugar em que o homem negro está sendo colocado.

Quando lemos pesquisas, artigos e correlatos, a impressão que se tem é a ação deste se tratar de um comportamento unilateral, por parte somente do homem negro, ficando a mulher branca totalmente passiva, como se fosse uma verdadeira vítima do “negão” que só quer “brancona”.

No entanto, em se tratando de relacionamentos interpessoais e racial, chega a ser uma contradição de grande dimensão, este silencio quase unânime, da sociedade, inclusive dos movimentos sociais em relação a boa parcela de mulheres brancas as quais por algum ou diversos motivos estão “preferindo” homens negros, após a ascensão destes, claro. Então, talvez seja interessante para efeito de contribuição junto a este debate, se levantar algumas hipóteses.

Segundo dado divulgado pelo IBGE em 27|12|2013, no Brasil existem 5,2 milhões de mulheres a mais do que homens. Além disso, a homossexualidade de uma forma geral tem sido bem mais aceita que décadas atrás, deslocando, consequentemente, inúmeros homens os quais outrora se apresentavam socialmente casados com mulheres (vários casamentos de fachada); em direção aos relacionamentos com outros homens, deixando assim um número crescente de mulheres sem pares amorosos. Diferente da homossexualidade feminina a qual tem se apresentado “assumidamente” em menor escala, talvez até por conta do machismo ainda imperante, em comparação a sua contraparte.

Sendo assim:

1)Poderíamos então deduzir ou inferir que a falta de homens no mercado amoroso, estaria de alguma maneira influenciando a inclinação de mulheres brancas em busca de homens negros, os quais ascenderam cultural e muito mais economicamente? Sim ou não? Outra questão também de ordem relevante seria o fato de, na hierarquia das representações sociais e\ou de poderes, ou seja, em termos de valorização
salarial, preferência dos órgãos empregadores, maioria na política; nos cargos de chefia e também nos papéis de mocinho nas TVs, entre outros ( quando se refere a cor e gênero), costuma-se encontrar a seguinte configuração: primeiro lugar ,aquele que é homem e branco, segundo mulher branca; terceiro homem negro, quarto e último lugar, mulher negra. Sendo assim e a partir desta classificação:

2)Estariam estas mulheres brancas procurando os homens negros, entre outros aspectos, para fugir da esfera do machismo do homem branco que tem sido colocado como insuportável, diante das conquistas femininas na atualidade? O fato inclui o quesito cor, em que elas, as brancas, seriam as ocupantes da segunda posição da escala social, agindo, portanto, com determinada hegemonia na relação, como se pode verificar na expressão do ditado popular “na casa da branca o negão não canta de galo”, seguida de outra por demais conhecida no país símbolo da democracia racial “gosto de namorar negro porque ele só faz (sexo) quando a gente quer”.grifo nosso. Já com o branco a gente tem que fazer quando ele, (o homem branco) quer”.grifo nosso. Tais comentários expressariam, de alguma forma, a representação de determinado “poder” alcançado por estas mulheres ao se relacionarem com homens negros?
E por último:

3)Por quais razões alguns homens brancos que se sentem “incomodados” ao ver homem negro com mulher branca, principalmente se esta for vista como “muito atraente” ou “muito bela” costumam, quase sempre, dirigir seus comentários, desqualificantes, ao negro e nunca questionam a mulher branca?
Pelo visto e a partir do exposto acima, consegue-se perceber a complexidade da questão deste mercado afetivo, no qual ao se deixar de avaliar algumas nuances, corre-se o risco de apresentar certas “realidades” um tanto parcializadas. Ainda que seja impossível não se levar em consideração, a preferência de homens negros pós ascensão, por parceiras brancas, haja vista a quantidade de pesquisas , com apresentação de dados comprobatórios.

Contudo só falar das “investidas” destes homens, poderá representar uma pequena e limitada parte desta “realidade” a qual se manifesta cheia de recortes.

Mas voltando às hipóteses, verifica-se a diversidade de elementos que precisam ser analisados e investigados ; mas que o racismo
juntamente com o machismo conseguiram colorir e evidenciar apenas um. Fica deixando o outro ou a outra quase sem cor e em um lugar de omissão e passividade vitimista, contraditoriamente, em um momento de grandes conquistas da mulher em todo país.

Assim, no momento em que se ouve “os negros é que são racistas”, coincidentemente os únicos “coloridos” da sociedade é que recebem tal
apelido. Enquanto isso, os demais (não negros), permanecem descoloridos e, consequentemente, omissos. Afinal, como acusar alguém de racismo se esta pessoa nem ao menos possui uma cor? Assim sendo, se faz necessário observar que, em se tratando de representações sociais, uma ação é sempre função de um conjunto de outras ações, ou seja, uma dependendo e estando diretamente relacionada a outra.

Por conseguinte, se alguns “negões”, pós-ascensão profissional, estão procurando algumas “branconas” em sua maioria, é porque também estas, estão a procura daqueles, por diversos motivos. Afinal, sem uma aceitação e interesses mútuos e diante das atuais conquistas as quais refletem uma maior independência feminina, dificilmente um homem se uniria a outra pessoa a partir de um comportamento estritamente unilateral. Logo, colocar o “negão” sempre na posição de ser o único responsável pelos relacionamentos interraciais ou bicolores, pode soar como dar continuidade ao não questionamento do lugar do “brancão” nesta sociedade.

Afinal, não estamos mais naquele período em que se aplicava muito a expressão “pessoas de cor”, referindo–se aos negros e negras, deixando as pessoas brancas automaticamente “sem cor” e por isso colocadas tão somente no campo da neutralidade. Portanto, se todo processo social é
,necessariamente, também relacional, implica dizer que os diversos atores envolvidos devem ser apresentados com suas características físicas, falas, fantasias, desejos entre outros, devendo inclusive não apenas ser questionados, como também responsabilizados como reais participantes das variáveis as quais se apresentem como influenciadoras nas trocas afetivas.

Por isso, as hipóteses lançadas acima, juntamente com outras que virão, precisam ser testadas para se perceber melhor, o grau de veracidade ou não de algumas afirmações; afinal já passou da hora de se compreender também os motivos pelos quais ,de alguma maneira, inúmeras “branconas”, estão se inclinando cada vez mais para alguns “negões”, fato este que tem deixado vários “brancões” extremamente preocupados.
Gilson Rego - Professor e Psicoterapeuta

Fonte: Aldeia Nagô

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