segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Mais uma denúncia de racismo na UFMA

Através do Facebook Anacleta Cordeiro fez a seguinte denúncia:


A arte de fato não é valorizada na UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO! Ainda pouco aconteceu algo que não deveria me surpreender, mas surpreendeu. Como poucos sabem faço parte do PIBID/ARTES cuja temática do subprojeto é trabalhar a questão da Afro- basilidade nas escolas. Pois bem, ao nos dirigirmos ao COLUN para visualizar o ambiente para fazer uma possível exposição dos trabalhos elaborados pelos alunos, fomos abordados por um professor e o diretor da escola, que se quer deram- se ao trabalho de ir a nós de maneira decente, os respectivos "representantes da educação", apenas nos chamou por janelas entreabertas em frente aos alunos e NOS TRATOU DE MANEIRA ARROGANTE E DESDENHOSA, a conversa foi mais ou menos a seguinte:

PROFESSOR -- Quem são vocês e o que estão fazendo aí?

UM DOS PIBIDIANOS -- Somos do PIBID/ARTE e estamos dando uma 'olhadinha' no ambiente para nossa exposição do dia 1º

DIRETOR -- Mais o que vocês estão fazendo aí mesmo?

UM DOS PIBIDIANOS -- Nós estamos a mais de quatro meses fazendo este trabalho na escola e você não conhece o PI|BID?

DIRETOR -- Não estamos sabendo de nada não, mais depois a gente conversa!

Foi então que o professor pegou no cabelo da minha amiga Wgercilene Martins , com as pontas do dedos e ainda por cima de qualquer forma e perguntou de maneira preconceituosa " E ISTO É ARTE ?". Foi o cúmulo do absurdo! ficamos pasmas e sem o que responder, os alunos nos olhando, o diretor e o professor com cara de pouco caso, foi uma sensação horrível!
GALERA!!! Como é que as pessoas podem querer classificar tudo como arte? E ainda desdenhar do cabelo de alguém só porque é "diferente" do que se é habituado ver por aí? Como é que se passa mais de quatro meses numa escola e não é percebido e nem sabem ao menos quem você é, e o tipo de trabalho desenvolvido na própria escola? Como é que as pessoas não falam com você direito só porque você se veste diferente?
E o mais sinistro é que tudo isso faz parte do trabalho desenvolvido com os alunos do COLUN -- ARTE E AFRO- BRASILIDADE", juntamente com suas questões de preconceito e tal. Pelo amor de Deus que profissionais da educação são esses?
INDIGNADA!!!

Veja a postagem aqui.

Para quem não lembra, a UFMA já foi notícia nacional e internacionalmente por conta de acontecimentos de natureza similar motivados por preconceito, como noticiamos anteriormente em:
 Estudantes denunciam caso de preconceito sociorracial na Ufma e nas várias postagens sobre o caso Nuhu Ayuba.


Wgercilene Martins



Mais racismo no Facebook

Mais demonstrações de racismo pelas redes sociais. Ao criarmos nossa página do Ofensiva Negritude no Facebook como veículo de denúncia da discriminação racial e de valorização da cultura negra compartilhamos uma imagem com legenda desrespeitosa contra as mulheres negras e o cabelo afronatural, que acabou em seguida causando a "revolta" de Igor Otávio, um membro que provavelmente adicionou a página apenas para responder à denúncia.

Imagem original denunciada

"Revolta" do leitor "não-racista" na página


Não deixem de denunciar qualquer página racista em http://safernet.org.br/site/denunciar

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Denúncia de intolerância religiosa cresce mais de 600% em 2012


Brasília – A quantidade de denúncias de intolerância religiosa recebidas pelo Disque 100 da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República cresceu mais de sete vezes em 2012, quando comparada com a estatística de 2011. Embora signifique um aumento de 626%, a própria secretaria destaca que o salto de 15 para 109 casos registrados no período não representa a real dimensão do problema.

O resultado foi divulgado a pedido da Agência Brasil,  devido ao Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa, celebrado hoje (21).

Os dados do Disque 100 para a intolerância religiosa podem estar subestimados, de um lado, porque o serviço telefônico gratuito da secretaria não possui um módulo específico para receber esse tipo de queixa, de forma que nem todos casos chegam ao conhecimento do Poder Público.

Além disso, a maior parte das denúncias é apresentada às polícias ou órgãos estaduais de proteção dos direitos humanos e não há nenhuma instituição responsável por contabilizar os dados nacionais.

A Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir) também não possui dados específicos sobre violações ao direito de livre crença religiosa, mas seu ouvidor, Carlos Alberto de Souza e Silva Junior, compartilha da impressão de que o problema tem crescido nos últimos anos.

Segundo o ouvidor, o número de denúncias de atos violentos contra povos tradicionais – módulo que envolve todo o tipo de violação aos direitos de comunidades ciganas, quilombolas, indígenas e os professantes das religiões e cultos de matriz africana relatadas à Seppir - também cresceu entre 2011 e 2012.

“Apesar dos avanços das políticas sociais e raciais, é perceptível uma reação intolerante, preconceituosa, discriminatória e racista e eu já percebo um certo recrudescimento de alguns direitos”, declarou o ouvidor da Seppir à Agência Brasil, citando, como exemplo, o aumento do número de denúncias envolvendo crimes raciais na internet.

Segundo a associação Safer Net, em 2012, a Central Nacional de Denúncias de Crimes Cibernéticos (CND) recebeu 494 denúncias de intolerância religiosa praticadas em perfis hospedados no Facebook.

“Não consigo avaliar o porquê de tanta intolerância, mas um dos indicativos que ainda precisamos verificar com cautela [é a atuação de] algumas igrejas neopentecostais, que vem pregando o ódio, inclusive na internet. Há ao menos um caso denunciado à ouvidoria de uma igreja cujo líder espiritual vem revelando esse ódio contra as religiões de matriz africana, associando-as à coisas do diabo. Sabemos que esse tipo de pregação, feita por um líder religioso, afeta [influencia] a muitos de seus seguidores”, acrescenta o ouvidor.

O integrante da Seppir aponta também as práticas discriminatórias vindas até mesmo de agentes públicos, como o promotor de Justiça de Santa Catarina que, em 2011, proibiu uma casa de umbanda de Florianópolis de realizar cultos e executar animais durante as cerimônias sem a autorização do Estado.

“Isso é um absurdo já que não existe lei que obrigue a casa de umbanda a pedir essa autorização. E a Constituição estabelece que não se pode embaraçar o culto religioso”, disse o ouvidor.

Carlos Alberto Júnior também expressa preocupação quanto aos projetos de lei que tentam criminalizar o abate de animais em  sacrifícios religiosos - algo que muitos especialistas consideram inconstitucional, já que a Constituição Federal estabelece que a liberdade de crença é inviolável, assegurando o livre exercício dos cultos religiosos.

Além disso, o texto constitucional determina que os locais de culto e suas liturgias sejam protegidos por lei. Já a Lei 9.459, de 1997, considera crime a prática de discriminação ou preconceito contra religiões.

“Eu vejo tudo isso como um fenômeno umbilicalmente ligado ao racismo, algo que não pode ser desassociado da questão do preconceito racial. Tanto que, na Seppir, não recebemos nenhuma denúncia dando conta de que outras religiões, além daquelas de matriz africana, sejam alvo de discriminação”, concluiu Júnior.

Fonte: Agência Brasil

sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Marketing Racista: Duloren ataca novamente


Depois da campanha proibida pelo CONAR por conta de presença de “racismo, machismo e apelação”, a Duloren volta a trazer uma propaganda na internet que vem sendo alvo de críticas. 

Campanha proibida pelo CONAR em 2012

Trata-se de uma imagem compartilhada no último dia 8 de dezembro na página da Duloren no Facebook, segundo comentário dos moderadores após uma das primeiras críticas como "homenagem ao Dia da Mulata", seja lá quando se comemore e o que signifique tal dia.

Como descrição da foto está a seguinte legenda: "Brasileira, miscigenada, de sangue, do samba, da carne, do rebolado. Parabéns a todas as mulatas, maravilhosas, deste país de muito borogodó!"

Dentre o muito que se pode questionar (como por exemplo a quase inexistência de modelos negras nas propagandas da marca, eceto quando colocam como cenário favelas), a imagem vem despertando uma nova série de protestos, dentre os quais destacamos e citamos aqui a eloquente análise de Jonathan José Alves Ribeiro.

"Coisificação do corpo preto

Propagandas de lingerie são corriqueiras em nosso país, pois são peças de roupas que toda mulher usa, mas essa empresa Durolen tem costume de animalizar mulheres pretas, essa mesma empresa fez um comercial remetendo a imagem da mulata, fogosa que derruba um capitão, ou seja, segundo eles a mulher preta derruba o homem branco, usando suas partes íntimas, sexualização exacerbada da mulher afrodescendente  ou seja, uma imagem que as africanas e suas descendentes afro-brasileiras carregam até hoje . 

Isso me remete a um ditado do Gilberto Freyre o mesmo, sim, da democracia racial, o qual muitos o associam em Casa Grande e Senzala, existe a seguinte frase: "branca pra casar, mulata pra trepar e negra pra trabalhar", ou seja, sejam pretas ou miscigenadas as afrodescendentes se encontram em desvantagens comparadas as mulheres brancas, isso não se reflete só em questão de emprego, como também na imagem que a sociedade racista faz delas, seja vendendo como uma mulher feia , coisa que o zorra total faz, como a de mulher fogosa e vulgar, ou seja pra essa sociedade valorização é só com a mulher branca, a preta cabe a todo esteriotipo possível , a imagem da mulata carrega todos os esteriótipos possíveis pras afrodescendentes, uma imagem de mulher fácil ,vulgar, é essa a interpretação que os estrangeiros tem das mulheres afro-brasileiras, uma imagem que as militantes do movimento negro vem lutando a décadas, ou melhor a séculos mulheres africanas-brasileiras lutam contra sua animalização, seja sexual , seja como força de trabalho. Só posso me remeter a intelectual preta Sueli Carneiro, que quando vai falar do feminismo ocidental , usou a seguinte frase quando nos referimos, ao mito da mulher fragilizada, a que tipo de mulher nos referimos? A mulher branca, na Diáspora a mulher preta não era vista como frágil e sim como força de trabalho, essa imagem se reflete de frágil na sinhá branca,outro ponto da Sueli Carneiro no Enegrecer o feminismo, enquanto mulheres brancas lutavam pra entrarem no mercado de trabalho, mulheres pretas já eram força de trabalho, mulheres brancas lutam por não ter filhos, mulheres pretas embora muitas optem por não terem filhos, boa parte lutam pra verem os seus poderem crescer, pois é provado em estatísticas que pretos/pardos são os jovens que mais morrem por violência. Outro dado pertinente é uma criança em um comercial de lingerie, coisa que eu e muitos achariam inadmissivel em um comercial, com grande teor sensual, não cabe uma criança nisso, nunca vi crianças brancas neste tipo de propaganda."

terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Sites Afrocentrados + Denúncia: NÃO PRECISO DE CADIVEU

Esse blog é um protesto à campanha da empresa Cadiveu que discrimina e ridiculariza os cabelos afros, sugerindo que nós, mulheres negras, precisamos usar alisantes para nos sentirmos mais bonitas e sermos aceitas pela sociedade. NÃO PRECISAMOS DE CADIVEU! Precisamos de respeito!


A imagem da mulher negra não pode ser ridicularizada dessa maneira, por uma marca de cosmético.



Mandem suas contribuições para: naocadiveu@gmail.com

Resposta da Cadiveu às milhares de críticas no facebook da marca.

Clique na foto para ampliar


Outra "retratação" colocando foto de modelo branca de peruca

Algumas fotos em protesto contra a marca:








Acessem naorprecisodecadiveu.tumblr.com

Aproveitamos para relembrar algumas postagens antigas do blog sobre esse assunto que trata de uma importante luta contra o racismo contra nosso corpo negro e nossa estética:

Ingredientes naturais para seu cabelo

Cuidados com os cachinhos das crianças

Especialistas querem banir o megahair no Reino Unido

Novo Estudo Relaciona Relaxamento aos Miomas

Dicas de Blogs Afrocentrados: Trança Nagô e Cabelo Crespo é Cabelo Bom

Salões de beleza usam formol acima do limite permitido, diz UERJ

Nos EUA, chapinha brasileira é classificada como tratamento que dá câncer

Verdades sobre o crescimento do cabelo natural

Miss Universo 2011 é vítima de racismo nas redes sociais (uma das ofensas foi ser chamada de "cabelo de vassoura")


quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

"All-Colored Cast!": Um dossiê sobre filmes de faroeste estrelados por atores negros


"Só mesmo um gênio como o Tarantino para fazer um faroeste estrelado por um ator negro!"

Não lembro onde foi que li esta frase, se no Facebook de alguém, no Filmow ou nos comentários de algum site que divulgava o trailer de "Django Livre", o novo filme de Quentin Tarantino, estrelado pelo ator negro Jamie Foxx. Mas aquela sentença não me saiu da cabeça. Inicialmente, até imaginei que aquela ignorante declaração do anônimo fã de Tarantino logo seria superada por inúmeras outras bobagens que certamente irão varrer a internet neste mês de lançamento de "Django Livre" (enquanto escrevo essas dias, faltam exatos 10 dias para a estreia brasileira, marcada para 18 de janeiro de 2013).

Will Smith em "James West"

Mas logo em seguida apareceu uma sentença ainda pior, e em todos os sentidos, porque esta não saiu de um anônimo e ignorante fã do Tarantino, mas de um suposto jornalista e crítico de cinema. Entrevistando o diretor para o jornal Miami Herald, o crítico Rene Rodriguez disse ter ficado surpreso por ver um "cowboy negro como herói", já que viu um monte de westerns com cowboys negros, mas nenhum deles com um afro-descendente no papel principal!!!

Enfim, eu até entendo um anônimo e ignorante fã de Tarantino destilar suas abobrinhas publicamente, mas como pode um "crítico de cinema" não saber que Jim Brown e Fred Williamson, igualmente negros, estrelaram vários filmes de western nos anos 70, no auge do blaxploitation (aquele ciclo de obras produzidas especialmente para o público negro norte-americano)?

Guardadas as devidas proporções, porque estamos falando de uma comédia, como pode o "crítico de cinema" não conhecer "Banzé no Oeste" (1974), sátira de Mel Brooks que enfoca exatamente as dificuldades vividas por um xerife negro numa cidadezinha do Velho Oeste? Ou então, só para falar de uma produção mais recente, será que o "crítico de cinema" nunca viu ou pelo menos ouviu falar de "Posse - A Vingança de Jesse Lee" (1993), dirigido e estrelado pelo negro Mario Van Peebles?

Bill Pickett, o primeiro cowboy negro do cinema?
A dupla ignorância em relação ao assunto, tanto do anônimo fã de Tarantino quanto do "crítico de cinema" (que, sim, merece as aspas), me deixou curioso e me levou a pesquisar: qual terá sido, afinal, o primeiro cowboy negro do cinema?

Inicialmente, pensei que a honra caberia a Woody Strode ou ao já citado Jim Brown. Mas, quem diria, as raízes dos faroestes estrelados por negros são muito mais antigas: no começo do século 20, ainda nos tempos do cinema mudo, já existiam filmes do gênero estrelados por atores de cor! E um cowboy de verdade, que nasceu no Velho Oeste real, chamado Bill Pickett, pode ter sido o primeiro cowboy negro da história do cinema. Isso até não aparecer algum filme anterior que estava desaparecido, claro...


Harry Belafonte e Sidney Poitier em "Um por Deus, Outro pelo Diabo"

Para salvar outras pobres almas do inferno da falta de pesquisa, e de se embasarem nesses fãs apaixonados e "críticos de cinema" que pensam que o Tarantino inventou a roda mais uma vez, resolvi cavar bem fundo e desenterrar a história dos filmes de faroeste com negros, comprovando que eles já existiam quando o Tarantino ainda estava no saco do pai dele, e o pai dele no saco do avô dele.

É sobre isso este dossiê, provavelmente incompleto (sabe como é, ninguém viu todos os filmes já produzidos, muito menos eu!), mas que já servirá como uma bela base para que você possa tirar o sorriso do rosto daquele seu amigo cinéfilo mala que também acha que o Tarantino foi o primeiro a fazer um filme com um cowboy negro...

ANOS 20 E O CINEMA DA SEGREGAÇÃO
Na vida real, os negros tiveram participação expressiva nos Estados Unidos pós-fim da escravidão (1865). Estima-se que, entre 1620 e 1865, quase 600 mil africanos tenham sido "importados" para os EUA para trabalho escravo, o que corresponde a apenas 5% dos 12 milhões de escravos trazidos para as Américas - a maioria tinha como destino as plantações de cana-de-açúcar no Brasil e no Caribe.

Mas as famílias de escravos que se formavam já nos Estados Unidos logo aumentariam expressivamente este total: segundo o Censo realizado em 1860, naquele ano os negros somavam 4 milhões em território norte-americano.

Com o fim da escravidão nos EUA, os negros de lá seguiram caminhos diferentes. Eles continuaram enfrentando o racismo e a violência (com o surgimento da Ku Klux Klan, grupo extremista que pregava a supremacia branca), mas conseguiram transformar-se em cowboys e fazendeiros, principalmente nos estados do Texas e Oklahoma. Outros viraram homens de negócios, soldados e, claro, foras-da-lei. Historiadores estimam que 30% dos cowboys do Velho Oeste eram negros.

Anúncio divulgando um filme exclusivo para o público negro, orientando os donos de cinema a pensarem na "audiência de cor"

É por isso que, na década de 1920, não soava tão estranho ver um filme de faroeste cujo elenco era formado exclusivamente por atores negros. O Velho Oeste ainda não era tão velho assim na época, e a memória dos cowboys afro-americanos estava bem vívida. 

Entretanto, o verdadeiro motivo para a realização dos primeiros faroestes estrelados por negros era o racismo: nos anos 1920, eles representavam pouco mais de 10% da população dos Estados Unidos (cerca de 10,5 milhões de pessoas), mas ainda sofriam graças ao racismo, e por causa dele com a segregação: havia banheiros, restaurantes e até cinemas separados para brancos e negros, e nos filmes eles geralmente eram representados por atores brancos com a cara pintada de tinta preta, além de ser relegados ao papel de escravos, criados ou vilões.

O clássico "O Nascimento de uma Nação" (1915), de D.W. Griffith, é um belo exemplo desta intolerante visão de muitos pioneiros do cinema pelos negros, já que a trama do filme (baseada num livro racista chamado "The Clansman: An Historical Romance of the Ku Klux Klan", de Thomas F. Dixon Jr.) glorifica as ações da Ku Klux Klan e demoniza a figura dos negros. Para piorar, todos os personagens negros que necessitam interagir com atores brancos são interpretados por brancos de rosto pintado, numa demonstração monstruosa de racismo! E nada disso impediu que o filme fosse um sucesso na época.


Para tentar contornar essa visão estereotipada e negativa, surgiu um mercado paralelo conhecido como "race movies" (filmes de raça), bastante popular nos Estados Unidos entre 1910 e o final da Segunda Guerra Mundial, em 1945. Eram produções realizadas especialmente para o público negro, que também gostava de ver filmes, mas não podia entrar nos cinemas "dos brancos". Graças aos "race movies", eles podiam frequentar seus próprios cinemas separados para ver seus próprios filmes!

The Gem Theatre, cinema só para negros no Texas em 1940

Consta que os EUA chegaram a ter 800 salas só para negros neste período; só em 1929, existiam 460 em todo o país, a maioria nos estados do Sul e Sudoeste, como Texas, Washington e Mississippi. Estes cinemas eram identificados com grandes placas que diziam "Exclusive Colored Theater" (ou seja, "Cinema Exclusivo para Pessoas de Cor").

Exclusivamente para esse público marginalizado, foram produzidos filmes de todos os tipos - sem faltar, claro, o western, que era um gênero bastante popular na época. E estes filmes eram identificados por uma frase bem grande no cartaz: "All-Colored Cast", ou "Elenco Exclusivo de Pessoas de Cor" (em outras palavras, "Branquelo não entra!", diferente do ciclo blaxploitation dos anos 1970).

Um dos primeiros filmes de faroeste com e para negros foi "The Bull-Dogger", de 1921, ainda mudo e em preto-e-branco. A aventura era estrelada por um cowboy "de verdade", Bill Pickett, que nasceu em pleno Velho Oeste (o Texas de 1870), e era famoso por suas participações em rodeios, enfrentando touros ferozes à unha! Ele se apresentava ao lado de outro famoso cowboy da vida real, Tom Mix, e chegou a fazer turnês pelas Américas e pela Europa. Não por acaso, Pickett é considerado o primeiro astro negro de filmes de faroeste - quase 50 anos antes de Jamie Foxx nascer!

"The Bull-Dogger" foi dirigido e produzido por Richard E. Norman, um branco que percebeu que era lucrativo realizar filmes para as platéias afro-americanas, e sem estereótipos raciais, colocando seus protagonistas de cor para interpretar heróis românticos, não escravos, criados ou vilões selvagens, como eles eram retratados nas produções "para brancos".


Através do seu Norman Studios, na Flórida, o visionário realizador produziu várias obras estreladas apenas por atores negros, incluindo um segundo western, "The Crimson Skull", já no ano seguinte (1922).

Também mudo, "The Crimson Skull" apresenta um dos primeiros heróis mascarados negros, o Caveira Púrpura do título. Trata-se do cowboy Bob Calem (interpretado por Lawrence Chenault), que resolve usar uma roupa com o desenho de um esqueleto para enfrentar uma quadrilha de perigosos assaltantes.

Bill Pickett integra o elenco mais uma vez, mas agora como coadjuvante. O cowboy veterano morreria dez anos depois, em 1932, ao ser pisoteado por um cavalo.


Curioso é que o Caveira Púrpura apareceu 40 anos antes de um outro famoso personagem que vestia roupa de esqueleto muito parecida: o vilão Killing, que estrelou fotonovelas italianas nos anos 60 e deu origem a uma bem-sucedida série de filmes turcos na mesma época!

O uniforme do Caveira Púrpura, lembrando o posterior Killing

A Norman Studios também produziu um terceiro western com negros, "Black Gold", de 1928, sobre a rivalidade entre dois fazendeiros que exploram a extração de petróleo em suas propriedades. Lançado um ano depois do início do som no cinema - e portanto mudo, como os anteriormente citados -, o filme traz Laurence Criner como o herói Ace Brand, cowboy que ajuda um dos rancheiros contra o seu vilanesco rival.

Infelizmente, os três faroestes dirigidos e produzidos por Richard E. Norman hoje são considerados perdidos, embora ainda exista farto material publicitário (cartazes, press books e lobby cards) para registrar a existência desses trabalhos pioneiros



Quando confirmou-se o sucesso dos westerns com e para negros, outros produtores começaram a explorar o filão. Um dos primeiros concorrentes de Norman foi Lawrence Goldman, da Monarch Productions, mas ele só conseguiu realizar uma única obra: o faroeste "The Flaming Crisis", de 1924, também mudo e em preto-e-branco, sobre um jornalista (não cowboy) preso injustamente, e que precisa fugir da cadeia para limpar seu nome. Nenhuma cópia do filme sobreviveu.


ANOS 30 E OS COWBOYS CANTORES
A chegada do cinema sonoro (com "O Cantor de Jazz" em 1927) fez surgir uma nova febre: os faroestes musicais, produções baratas estreladas por cowboys cantores que soltavam a voz entre um tiroteio e outro, bastante populares entre a metade da década de 30 e o começo dos anos 50.

Pesquisadores consideram Ken Maynard o primeiro cowboy cantor do filão, logo seguido por outros astros desse novo gênero, como Tex Ritter, Bob Baker, Dick Foran, Gene Autry e, claro, Roy Rogers, que faziam a alegria da garotada nas matinês.

Herb Jeffries, o primeiro cowboy cantor negro

Era só questão de tempo para aparecer um cowboy cantor de pele escura, e a honra coube a Herbert Jeffrey, que depois ficaria conhecido pelo nome artístico de Herb Jeffries. Esse cantor de jazz, que começou a fazer shows ainda moleque (diz a lenda que um de seus primeiros shows foi num dos clubes de um tal de Al Capone), foi contratado como o primeiro representante negro entre os cowboys cantantes, e também teve a honra de estrelar o primeiro faroeste para negros sonoro, "Harlem on the Prairie", de 1937.

Produzido por Jed Buell e dirigido por Sam Newfield (um cineasta que fez quase 300 produções baratas como esta), "Harlem on the Prairie" era mais comédia musical do que faroeste, mas Jeffries demonstrou talento como cantor e boa presença de cena como o cowboy que ajuda uma bela garota a encontrar uma fortuna em ouro. Entre cenas de ação e correrias, ainda arranjava tempo para cantar quatro músicas. O elenco continuava formado totalmente por negros.


(Vale destacar que, no ano seguinte - 1938 -, o produtor Buell e o diretor Newfield voltaram a trabalhar juntos em "The Terror of Tiny Town", um escalafobético western estrelado exclusivamente por anões, comprovando que - com o perdão do trocadilho - eles eram especialistas em cinema com minorias!)

O sucesso de "Harlem on the Prairie" foi tão grande que Herb Jeffries transformou-se num dos grandes astros negros do período, e isso lhe garantiu um contrato para aparecer em mais quatro faroestes musicais. Seu segundo trabalho no cinema foi como coadjuvante em "Rhythm Rodeo" (1938), escrito, dirigido e produzido por George Randol, que havia atuado em "Harlem on the Prairie". Estrelado por Troy Brown Sr., o filme não teve a mesma repercussão e logo caiu na obscuridade.

"All Negro Cast", anuncia o lobby card para não deixar dúvidas!

Jeffries voltou ao estrelato no mesmo ano, e em papel duplo, com "Two-Gun Man from Harlem" (1938), escrito, dirigido e produzido por Richard C. Kahn, onde interpreta pela primeira vez o cowboy Bob Blake, um personagem que repetiria nas aventuras seguintes graças ao sucesso junto ao público.

Na trama, acusado por um crime que não cometeu, o herói é forçado a fugir e passar-se por um perigoso pistoleiro chamado Deacon, que é idêntico a ele (também interpretado por Jeffries). Além das cenas de ação de praxe, o cowboy negro mais uma vez solta a voz acompanhado dos grupos The Four Tones e Cats and the Fiddle.

Com "Two-Gun Man from Harlem", Jeffries e seu personagem Bob Blake transformaram-se em heróis dos garotos negros da época. Espertinho, o produtor-roteirista-diretor Kahn resolveu aproveitar a popularidade para fazer mais duas aventuras do herói, "The Bronze Buckaroo" e "Harlem Rides the Range", ambas filmadas às pressas em 1939.


A partir de "The Bronze Buckaroo", Blake ganhou um parceiro e alívio cômico chamado Dusty, interpretado por Lucius Brooks. Em sua segunda aventura, o cowboy investiga o desaparecimento de um rancheiro, sequestrado pelo vizinho ambicioso que quer extrair o ouro existente em suas terras; já na terceira e última, "Harlem Rides the Range", Blake e Dusty chegam a um rancho cujo proprietário desapareceu, e onde o herói é acusado de um crime que não cometeu - uma armação dos vilões interessados em ficar com a fazenda.

À época, Herb Jeffries era tão popular como astro de "race movies" que começou a receber convites para participar também de "filmes para brancos", inclusive alguns produzidos por grandes estúdios. Mas sempre recusou os convites, dizendo que preferia estrelar aventuras baratas com elencos exclusivamente negros a rebaixar-se ao papel de coadjuvante, ou criado dos protagonistas, em produções maiores.


Esta decisão acabou abreviando sua carreira cinematográfica, já que as produções exclusivamente para negros entraram em decadência a partir dos anos 40. Mas Jeffries continuou vivendo da música, gravando vários hits e fazendo shows na Europa. Ele engoliu o orgulho e participou de alguns episódios de séries de TV com elencos mistos nos anos 60 e 70 (entre elas, "Jeannie é um Gênio" e "Havaí Cinco-Zero"). 

Sua última participação no cinema foi em 1996, na comédia "The Cherokee Kid", que é justamente uma homenagem aos faroestes para negros dos anos 30 e 40. Nesse filme, Jeffries interpreta ele mesmo ao lado de um elenco estelar formado por James Coburn, Gregory Hines e Burt Reynolds. O homem continua vivo e, caso se segure mais um pouco, completará 100 anos em setembro deste ano (2013)!


Na década de 40, depois do sumiço do astro Jeffries, os faroestes musicais com negros também pararam de ser produzidos. O canto de cisne do subgênero veio com "Look-Out Sister" (1947), de Bud Pollard, estrelado pelo cantor Louis Jordan, e "Come On, Cowboy!" (1948), com a dupla Mantan Moreland e Johnny Lee. 

Com o fim (ou diminuição?) da segregação e do preconceito, os negros passaram a frequentar as mesmas salas de cinema que os brancos, e os "race movies" e "Exclusive Colored Theaters" finalmente acabaram.


ANOS 60-70 E OS PRIMEIROS ASTROS
Entre as décadas de 40 e 50, os papéis para os atores de cor nos filmes de Hollywood voltaram a ser os tradicionais: gladiadores em filmes de época, selvagens em aventuras na selva ou escravos em dramas sobre os Estados Unidos do século 19, e sempre como coadjuvantes.

Alguns poucos conseguiam ultrapassar essa barreira e ganhar personagens mais desafiadores, como James Edwards e Woody Strode. E foi a este último, um ex-jogador de futebol americano, que coube a honra de ser o primeiro negro a estrelar um faroeste produzido por um grande estúdio de Hollywood: "Audazes e Malditos" (1960), dirigido por John Ford - ironicamente aquele mesmo cineasta que foi taxado de "racista" por Tarantino em polêmica entrevista recente.


Embora os créditos iniciais e o pôster exibam o nome de Woody em quarto lugar (depois dos brancos Jeffrey Hunter, Constance Towers e Billie Burke), o personagem negro sempre foi considerado o protagonista do filme, cujo título original inclusive é o nome do próprio personagem ("Sergeant Rutledge"), um militar afro-americano que é julgado pelo estupro de uma garota branca e pelo assassinato do seu pai. O antigo comandante de Rutledge, Tenente Cantrell (Hunter), é convocado para fazer sua defesa.

"Audazes e Malditos" abriu as portas para que Woody Strode fosse convidado para vários outros faroestes nos Estados Unidos e na Europa, como coadjuvante ou parceiro do mocinho (branco). Entre seus muitos trabalhos, vale destacar "Era Uma Vez no Oeste", de Sergio Leone, "O Homem que Matou o Facínora", novamente dirigido por John Ford, "Boot Hill", de Giuseppe Colizzi (onde foi sidekick de Terence Hill e Bud Spencer), e "Keoma", de Enzo G. Castellari.

Woody Strode como o polêmico "Sergeant Rutledge"

Seus dois últimos trabalhos no cinema também foram westerns: o já citado "Posse", de Mario Van Peebles, e "Rápida e Mortal", de Sam Raimi. Woody faleceu em 1994, aos 80 anos.

Como Woody Strode, Jim Brown também era um bem-sucedido jogador de futebol americano quando decidiu largar o esporte para investir no cinema. E se Strode abriu caminho para os protagonistas negros em westerns de Hollywood, foi Brown o primeiro grande astro afro-americano do gênero.

Ele estreou no cinema como coadjuvante no faroeste "Rio Conchos" (1964), de Gordon Parks, mas em 1969 já era o protagonista do western "Cem Rifles", dirigido por Tom Gries para a major Twentieth Century Fox.

Brown interpreta Lyedecker, o homem da lei encarregado de perseguir o mestiço Yaqui Joe (um ainda desconhecido Burt Reynolds!!!), que roubou uma fortuna com o objetivo de comprar rifles para seu povo se defender do "homem branco".

Além da distinção de trazer como herói um cowboy negro, "Cem Rifles" é geralmente lembrado por ser um dos primeiros filmes produzidos por um grande estúdio de Hollywood a mostrar uma cena de sexo interracial, entre Jim Brown e uma das maiores gostosas da época - ninguém menos que Raquel Welch!



Brown continuou nessa pegada (sem malícia): em 1970, estrelou o fantástico western "El Condor", dirigido por John Guillermin, ao lado de um grande astro do gênero, Lee Van Cleef. Na trama co-escrita por Larry Cohen, o fugitivo Luke (Brown) e o garimpeiro Jaroo (Van Cleef) unem-se a um grupo de índios apache para atacar uma fortaleza mexicana que guarda milhões de dólares em ouro. 

Nos anos 70, além de tornar-se um astro de ação do ciclo blaxploitation (já chegaremos lá), Jim continuou estrelando westerns, agora na Itália: em "Cavalgada Infernal" (1975), de Antonio Margheritti, ele volta a atuar ao lado de Lee Van Cleef, mas dessa vez acompanhado por vários "irmãos de cor", como Fred Williamson e Jim Kelly.

O filme conta a história de um pistoleiro encarregado de transportar uma fortuna até um rancho no México, tendo que atravessar um perigoso deserto. Além dos perigos naturais, ele será perseguido pelos homens do vilão (Van Cleef, é claro!).

A terceira e última parceria entre Brown e Van Cleef em westerns foi na produção norte-americana "A Vingança" (1977), dirigido por Joseph Manduke. Mas dessa vez ele não é o personagem principal, e sim o garimpeiro valentão que ajuda um garoto (Leif Garrett) a vingar-se dos malfeitores que mataram sua família (liderados por, adivinhem quem?, Lee Van Cleef!).


Outro momento histórico para o faroeste negro aconteceu em 1967, quando Lola Falana tornou-se a primeira negra a estrelar um western, "Lola Colt" (nos cinemas brasileiros, "O Colt que Não Perdoa"), dirigido por Siro Marcellini.


Filha de um cubano com uma norte-americana, a moça era famosa à época como cantora e dançarina nos shows de Sammy Davis Jr. (com quem teve um breve affair). E ela fazia tanto sucesso na Itália que foi convidada para ser a protagonista do seu próprio western spaghetti!

Em "Lola Colt", ela interpreta uma dançarina de saloon que acaba tornando-se pistoleira para defender a cidade de um inescrupuloso homem de negócios, cujo plano é comprar as terras dos moradores à força para ganhar uma fortuna com a construção da estrada de ferro pelo local. Enquanto enfrenta os malvados, Lola ainda arruma tempo para ter um romance com um jovem (e branco) estudante de medicina.


A diferença de "Lola Colt" para, por exemplo, "Audazes e Malditos" é que em nenhum momento a cor da protagonista é mencionada ou torna-se motivo para qualquer tipo de preconceito por parte dos vilões do filme (pelo contrário, ela é tratada de igual para igual independente da cor da pele), numa bela lição dos realizadores italianos. 

Inclusive Lola Falana poderia ter se tornado uma das primeiras e principais heroínas negras do cinema, se o filme tivesse chegado aos Estados Unidos na época em que foi feito. Infelizmente, "Lola Colt" só foi lançado nos EUA em 1976 (com o novo título "Black Tigress"), quando já existiam outras atrizes negras fazendo sucesso em papéis semelhantes, como Pam Grier, Judy Pace e Tamara Dobson.

Enquanto isso, de volta aos Estados Unidos, alguns faroestes estrelados por negros começaram a abordar as dificuldades vividas pelos ex-escravos após sua libertação no final do século 19, uma triste página da vida real que não era enfocada com tanta frequência no cinema na época, e que também não é exclusividade do novo filme do Tarantino!

Por exemplo, "The Red, White and Black" (1970, também conhecido como "Soul Soldier"), dirigido por John "Bud" Cardos, conta uma história envolvendo os "Buffalo Soldiers" (Soldados Búfalos), apelido dado pelos índios norte-americanos a tropas formadas exclusivamente por soldados negros.

Uma rápida lição de história: durante a Guerra Civil, existiram vários regimentos de "Colored Troops" (Tropas de Cor), formados por soldados negros. Com o fim da guerra, em 1865, o Exército resolveu criar quatro regimentos com os ex-escravos, dois de cavalaria e dois de infantaria, que atuavam garantindo a paz entre índios e brancos nos territórios onde havia guerras entre os fazendeiros e as tribos indígenas. Esta é uma parte polêmica da história norte-americana, já que muitos pesquisadores alegam que os Soldados Búfalo foram usados como peões pelos seus superiores (brancos, obviamente) para trabalhos sujos nas guerras indígenas. Mesmo assim, eles ficaram conhecidos pela sua extrema disciplina e fúria em batalha, que inclusive rendeu medalha de honra a 17 oficiais negros - um verdadeiro soco na boca dos muitos militares e políticos racistas do período.



Claro que em "The Red, White and Black" o foco é justamente a polêmica atuação dos soldados negros contra os índios. Na trama, o superior de um batalhão de Buffalo Soldiers é um oficial branco que odeia índios (Cesar Romero), e que obriga seus comandados a atacar e dizimar tribos pacíficas. Robert DoQui (mais lembrado como o Sargento Reed de "Robocop") é um recruta que começa a questionar as ordens e decide proteger os peles-vermelha.

(Os Soldados Búfalo reapareceram recentemente em um filme para a TV de 1997, dirigido por Charles Haid e estrelado por Danny Glover.) 

Em 1971, o comediante Bill Cosby, que já era um sucesso na TV norte-americana com os seriados "I Spy" e "The Bill Cosby Show", estrelou "Man and Boy", de E.W. Swackhamer. Mais puxado para o drama, este faroeste conta a história de um escravo libertado (Cosby) que vive com a família numa pequena fazenda no Arizona. Quando seu único cavalo é roubado por ladrões em fuga, o cowboy e seu filho pequeno precisam arriscar a própria pele saindo à caça dos fugitivos, arriscando-se a encontrar brancos racistas que não concordam com o fim da escravidão.


Outro filme nessa linha foi lançado em 1972, e marca outra grande conquista para os artistas negros no gênero: Sidney Poitier, um dos atores afro-americanos de maior sucesso na época (já tinha estrelado "No Calor da Noite" e "Adivinhe Quem Vem Para Jantar"), assumiu também a direção do faroeste "Um por Deus, Outro pelo Diabo" quando o diretor original branco, Joseph Sargent, foi demitido.



Estrelado por três atores de cor (o próprio Poitier, Ruby Dee e Harry Belafonte), o filme se passa nos tempos pós-Guerra Civil, quando dois heróis (Poitier e Belafonte) lutam para fazer valer o fim da escravidão e libertar seus irmãos ainda explorados por alguns ricos fazendeiros.


OS COWBOYS "BADASS" DO BLAXPLOITATION

Por volta dessa mesma época, Melvin Van Peebles lançou seu "Sweet Sweetback's Baadasssss Song" (1971), que muitos pesquisadores de cinema consideram a pedra fundamental do ciclo blaxploitation - formado por filmes de exploração estrelados por negros, mas geralmente produzidos e dirigidos por brancos, que eram realizados para platéias urbanas afro-americanas (embora logo atraíssem também as atenções do público branco). 

Diferentes dos "race movies" de um passado já distante, os filmes blaxploitation não se contentavam apenas em colocar negros nos papéis principais, mas também mostravam heróis e heroínas afro-americanas dando porradas e tiros em vilões branquelos, eliminando aquele ultrapassado conceito do "All-Colored Cast" - algo recebido com bastante entusiasmo por um público que ainda enfrentava preconceito nas ruas.


Não demoraram para surgir os faroestes blaxploitation. "The Legend of Nigger Charley" (1972) é considerado o pioneiro da safra.

Dirigido por Martin Goldman para a major Paramount, tem uma trama parecida com "Um por Deus, Outro pelo Diabo" (envolvendo heróis negros que lutam contra feitores de escravos após o final da Guerra Civil), mas um enfoque bem menos dramático e humanista, preferindo entregar o que o público negro queria ver: um herói de cor combatendo brancos racistas com os punhos e balas em inúmeras cenas de ação.

A honra coube a Fred Williamson, que logo se transformaria num dos grandes astros do cinema blaxploitation (além do mais ativo dos cowboys afro-americanos). No filme, ele interpreta o ex-escravo Charley, que sofreu horrores quando trabalhava nas plantações de algodão, e, com o fim da escravidão, resolve fazer valer o direito à liberdade de seus irmãos à força. Ao lado de dois outros ex-escravos (D'Urville Martin e Don Pedro Colley), ele combate caçadores de recompensa e caricaturais brancos racistas. A frase do cartaz já dava o tom do filme: "Alguém avise o Oeste que Nigger Charley não está mais fugindo!".


"The Legend of Nigger Charley" provocou certa polêmica na época porque o título usa uma expressão pejorativa, "nigger" (que poderia ser aportuguesada como "negão" ou "crioulo"). Mas isso não prejudicou o sucesso do filme, pelo contrário: com um orçamento de apenas 400 mil dólares, o tal primeiro faroeste blaxploitation faturou mais de 3 milhões nas bilheterias, dando origem a uma continuação já no ano seguinte.

Trata-se de "The Soul of Nigger Charley" (1973), desta vez dirigida por Larry G. Spangler, mas novamente com Williamson no papel-título.

Agora alçado a uma figura mítica, considerado um herói pelos outros ex-escravos, Charley precisa lutar contra um poderoso coronel sulista que continua traficando prisioneiros negros para trabalhos forçados em suas plantações no México.

A saga de Nigger Charley encerrou aí, mas Fred Williamson encarnou outros cowboys negros ao longo da década. Em 1975, ele fez o papel-título de "Boss Nigger", dirigido por Jack Arnold. "White Man's Town... Black Man's Law!", dizia a frase no cartaz.


A trama acompanha as aventuras de Boss Nigger (Williamson) e Amos (D'Urville Martin), dois ex-escravos que, com o fim da Guerra Civil, resolveram se transformar em caçadores de recompensas, principalmente para caçar brancos fugitivos e dar o troco nos ex-feitores. Atrás de um destes alvos, eles chegam à cidadezinha de San Miguel, repleta da pior escória de bandidos, e que está sem xerife desde que o último foi exterminado pelos foras-da-lei. Assim, Boss Nigger resolve assumir o posto e limpar a cidade.

Lobby card espanhol de "Boss Nigger"

Uma curiosidade: nestes tempos politicamente corretos em que vivemos, o filme foi recentemente relançado em DVD apenas como "Boss", para não criar polêmica com o uso da expressão pejorativa "Nigger" na capinha!

Depois de fazer "Cavalgada Infernal" ao lado de Jim Brown na Itália, Williamson voltou aos EUA para escrever, produzir, dirigir e estrelar (só para dar uma ideia da moral que o sujeito já tinha!) o western cômico "Adeus Amigo", de 1976.

Neste filme, ele ainda conseguiu a façanha de dar um dos primeiros papéis principais a um tal de Richard Pryor, que em seguida se transformaria num dos grandes humoristas negros do cinema americano. Ironicamente, Pryor foi um dos roteiristas da clássica comédia "Banzé no Oeste" (1974), dirigida por Mel Brooks, e que brincava justamente com a figura dos cowboys negros no Velho Oeste.

Brooks sempre disse que queria o próprio Richard Pryor no papel principal (que ficou com Cleavon Little), mas o estúdio (Warner Bros.) recusou-se a transformar um pouco conhecido humorista em protagonista. Bem, a vingança veio dois anos depois no filme de Fred Williamson.


"Adeus Amigo" é uma daquelas comédias sem muita história, apresentando uma série de esquetes onde Williamson faz escada para as gracinhas de Pryor. Fred interpreta Big Ben, preso injustamente pelos moradores racistas de uma cidadezinha do Velho Oeste. Durante o transporte do prisioneiro para uma penitenciária, a carruagem é atacada pelo assaltante Sam Spade (Pryor), e os dois acabam se tornando parceiros contra a vontade.

Williamson declarou, em entrevistas da época, que seu "Adeus Amigo" era uma espécie de "resposta negra" a "Banzé no Oeste", que ele considerava bobo e ofensivo. Ele queria fazer uma comédia sobre negros no Velho Oeste sem apelar para piadas nonsense e metalinguísticas, como Brooks fizera. O resultado ficou aquém do esperado e foi muito criticado, mas pelo menos serviu para Richard Pryor despontar para o estrelato.


Além de Jim Brown e Fred Williamson, outro astro blaxploitation que arriscou seus tirinhos num faroeste foi Richard Roundtree (mais conhecido como o herói da série "Shaft"). A diferença é que Roundtree era o único negro em "Charley-One-Eye" (1973), um western "existencial" dirigido por Don Chaffey para a Paramount.

Roundtree contemplativo no lobby card de "Charley-One-Eye"

Ao invés de tiroteios e cavalgadas, o filme se concentra na relação entre um negro (o ex-Shaft) e um índio (Roy Thinnes), que se refugiam na fronteira com o México para iniciar uma pequena fazenda em parceria e recomeçar suas vidas, mas que logo são ameaçados por uma violenta quadrilha de bandoleiros.

Vale destacar também um raro western blaxploitation com consciência social, "Thomasine and Bushrod" (1974), dirigido por Gordon Parks Jr. ("Super Fly") para a major Columbia Pictures. Espécie de versão negra da dupla de criminosos Bonnie & Clyde, Thomasine (Vonetta McGee) e J.P. Bushrod (Max Julien) são ladrões de banco simpáticos que roubam dos ricos para dar aos pobres nos EUA do começo do século 20. No caso, as vítimas são o sistema capitalista dos brancos, e os beneficiados são negros, latino-americanos e índios!

O último sopro de vida no faroeste blaxploitation, e o último cowboy negro interpretado por Fred Williamson, foi "Joshua" (1976), produzido e dirigido por Larry G. Spangler e escrito pelo próprio astro.

Williamson assume mais uma vez o papel-título, um soldado negro que retorna da Guerra Civil e descobre que sua mãe foi morta por uma quadrilha de malfeitores (brancos, claro). Joshua resolve fazer justiça pelas próprias mãos, caçando e matando cada um dos assassinos.


E OS COWBOYS NEGROS PERDEM O ESTRELATO...
Com a chegada dos anos 80 e o fim do ciclo blaxploitation, faroestes com negros ficaram mais raros - a bem da verdade, até os faroestes COM BRANCOS passaram a ser produzidos em menor número, principalmente depois que os italianos pararam com sua produção em série de western spaghetti, no final da década de 1970.

Nos poucos filmes do gênero produzidos por grandes estúdios a partir de então, os cowboys negros sumiram das telas. Dá para contar nos dedos os westerns em que atores afro-americanos aparecem pelo menos em papéis secundários, como Scatman Crothers em "Bronco Billy" (1980, de Clint Eastwood), Carl Weathers em "Perseguição Mortal" (1981, de Peter R. Hunt) e Danny Glover em "Silverado" (1985, de Kevin Reynolds).

Morgan Freeman ao lado de Eastwood em "Os Imperdoáveis"

Foi Clint Eastwood quem devolveu-lhes um lugar de destaque ao colocar Morgan Freeman como parceiro do protagonista no excelente e premiado "Os Imperdoáveis", em 1992. Mas foi no ano seguinte (1993) que os negros recuperaram seu lugar de destaque no Velho Oeste, quando Mario Van Peebles dirigiu e estrelou o já citado "Posse".

Este faroeste contemporâneo chamou a atenção pela quantidade de atores afro-americanos no elenco: o próprio Van Peebles no papel principal, Tommy "Tiny" Lister, Blair Underwood, Melvin Van Peebles (pai de Mario), Salli Richardson-Whitfield, Pam Grier, Isaac Hayes, Bob Minor, Sy Richardson, Robert Hooks e Woody Strode, entre outros, e muitos deles velhos ídolos do cinema blaxploitation.

Mario também escreveu e estrelou um obscuro western canadense (!!!) de 1997 chamado "Los Locos", dirigido por Jean-Marc Vallée, onde interpreta um pistoleiro chamado Chance, que recebe a missão de escoltar um grupo de pessoas através do deserto. Em alguns lugares, "Los Locos" foi lançado como se fosse uma sequência de "Posse", por causa da presença de Van Peebles no elenco!


Mas o cowboy negro de maior destaque nos anos 90 foi - quem diria! - Will Smith, que assumiu o papel de James West num blockbuster de gosto duvidoso chamado "As Loucas Aventuras de James West", dirigido por Barry Sonnenfeld em 1999.

Will Smith, que quase foi o Django do Tarantino!

Adaptação de um seriado de TV dos anos 60 (em que o personagem era interpretado por um branco, Robert Conrad), o filme custou 170 milhões de dólares e tem um elenco de astros (Kevin Kline, Salma Hayek, Kenneth Branagh como vilão) pagando mico numa trama frouxa. Não por acaso, foi massacrado pela crítica e boicotado pelo público, tornando-se um dos maiores fiascos de bilheteria dos últimos tempos.

(Ironicamente, Will Smith foi a primeira opção de Tarantino para interpretar o protagonista de "Django Livre", e foi substituído na última hora por Jamie Foxx porque preferiu estrelar "Homens de Preto 3" a voltar ao mundo do Velho Oeste, talvez com vergonha de ter "As Loucas Aventuras de James West" no currículo...)

Embora os críticos vivam anunciando a "morte" do gênero, filmes de western continuaram sendo feitos nos anos 2000 e até hoje, mas os cowboys negros se tornaram cada vez mais escassos e voltaram ao papel de coadjuvantes, como Usher Raymond em "Texas Rangers - Acima da Lei" (2001, de Steve Miner) ou Roy Lee Jones em "Bravura Indômita" (2010, dos Irmãos Coen).



Mas uma coisa é certa: independente de "Django Livre" ser bom ou não, ao menos Quentin Tarantino já prestou mais um grande serviço à sétima arte, colocando novamente um cowboy negro sob os holofotes, e no papel principal de um filme de faroeste que leva o próprio nome do personagem. Algo que não acontecia desde "As Loucas Aventuras de James West", ou, para citar um exemplo melhorzinho, o "Joshua" de Fred Williamson lá em 1976...










 
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