Eles nasceram Bruno de Souza, Renato Araújo e Aída
Rodrigues. Mas a fé os transformou em Bruno de Omolu, Renato D’Ogunjá e
Matambareuá de Yansã. Perseguidos desde os tempos de escravidão, os sacerdotes
dos cultos afro vislumbram novo horizonte. E, cada vez mais, expandem suas
raízes em solo fluminense. É o que revela o Mapeamento das Casas de Religiões
de Matriz Africana do Rio de Janeiro, realizado por pesquisadores da Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio).
O estudo revela que a maioria das 847 casas mapeadas foi
fundada a partir da década de 90. O que contraria a previsão de estudiosos do
campo religioso, que anunciavam um encolhimento do culto de matriz afro nos
últimos anos. A crença, que resistiu aos navios negreiros, às senzalas e à
repressão policial, também floresce em tempos de intolerância religiosa.
— Nenhuma casa foi aberta antes de 1930. A grande maioria é
bem recente. Apesar de sofrer com o assédio das seitas, as religiões de matriz
africana se fortaleceram na fé e aumentaram numericamente — explica a
pesquisadora Denise Pini.
Por causa da pesquisa, babalorixás e ialorixás levam para as
salas de aula da tradicional universidade católica seus conhecimentos
ancestrais. E caminham junto às coordenadoras do projeto, Denise Pini e Sonia
Maria Giacomini, entre os prédios da PUC, onde já houve até gira de jurema,
culto inspirado nos índios de Pernambuco. Tolerância máxima.
— É um novo fazer acadêmico baseado no respeito. Todos os
detalhes do mapa, cores e símbolos são discutidos com o conselho de religiosos
— conta a pesquisadora da PUC Sonia Giacomini.
Responsável pelos cânticos sagrados da Casa do Perdão,
templo umbandista fundado em 1999, o administrador André Meireles Gomes de
Oliveira, de 33 anos, nasceu em uma família católica. Há dez anos, descobriu
sua nova religião, sem conflitos. Ele conta com a aprovação e o interesse dos
parentes, com quem divide o culto ao Evangelho em casa.
Para ele, o respeito da sociedade pode ser obtido em paz. E
com base nas leis.
— Em virtude do processo histórico de preconceito, as
religiões se mantiveram escondidas. Agora é a hora, não de se exibir, mas de
valorizar, mostrar a religião para a sociedade e combater o preconceito —
explica André.
Para a professora Cida Abreu, de 40 anos, o estudo lançou
luz sobre religiões afro, muitas vezes, vítimas de preconceito:
— Por que ninguém olha estranho para a batina de um padre,
para a Bíblia de um pastor, e comenta sobre as nossas roupas brancas? Essas
perguntas têm que ser feitas. E afirma sua religiosidade:
— Quando você está na entrega total da sua fé, na
espiritualidade, a discriminação é irrelevante.
E ponto final.
Litoral surpreende pesquisadores
Ao dar à luz o primeiro filho, Rosilda Duarte, de 44 anos,
conta ter tido um pressentimento: seu menino teria "uma missão
especial". Dois anos depois, segundo sua fé, a intuição de mãe seria
confirmada: um babalorixá disse que, adulto, o garoto se tornaria pai de santo.
Histórias como a de Pai Bruno de Omolu colorem o mapa
religioso do litoral do estado. Ele fundou, em 2008, seu terreiro na casa de
veraneio da família, em Itaipuaçu, Maricá. Esse cenário surpreendeu
pesquisadores, que não esperavam a presença significativa de casas afro na
Baixada Litorânea.
— Eu morava em Icaraí, em Niterói, e tinha casa aqui em
Itaipuaçu. Dei a terra para ele. Somos registrados. Por que temos que nos
esconder? O movimento contra a intolerância ajudou muito. Todo mundo nasce com
uma missão. Um dia descobre qual é a sua — defende Rosilda.
Método da pesquisa
Chamada de bola de neve, a metodologia da pesquisa é
realizada em rede. Lideranças do culto afro foram contatadas e indicaram as
casas a serem mapeadas. O universo de 847 não representa o total de terreiros
do estado. Mas o estudo dessa fatia revela características gerais, como o
engajamento na área social, principalmente no combate à fome, com distribuição
de cestas básicas em áreas de pobreza extrema.
— Essa pesquisa foi uma dádiva — brinda Denise, após
desvendar os caminhos da fé.
Fonte: Extra
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