Escrevi recentemente artigo onde criticava o PL 180/2008.
Porém, analisando mais detalhadamente o teor da lei e em confronto com o que
fora publicado pela imprensa, este PL traz mais avanços do que retrocessos
levando em conta o conjunto da população brasileira.
Tenho de dar a mão à palmatória por ter acreditado na imprensa,
e não apenas em qualquer imprensa, mas em órgão do Correio Braziliense quando o
mesmo menciona em sua matéria: “Aprovado no Senado na noite da última
terça-feira, o escopo do projeto de lei das cotas divide as vagas meio a meio —
25% do total serão destinadas aos estudantes negros, pardos ou indígenas, de
acordo com a proporção dessas populações em cada estado baseada em dados do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), enquanto a outra metade
será destinada aos estudantes que tenham feito todo o segundo grau em escolas
públicas e cujas famílias tenham renda per capita de até um salário mínimo e
meio. Os 50% restantes continuam abertos para livre concorrência.”(1)
Mas a lei diz em seu artigo 3º “Em cada instituição federal
de ensino superior, as vagas de que trata o art. 1º desta Lei serão
preenchidas, por curso e turno, por autodeclarados pretos, pardos e indígenas,
em proporção no mínimo igual à de pretos, pardos e indígenas na população da
unidade da Federação onde está instalada a instituição, segundo o último censo
do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).”(2). E o artigo 1º
assim prescreve: “Art. 1º As instituições federais de educação superior
vinculadas ao Ministério da Educação reservarão, em cada concurso seletivo para
ingresso nos cursos de graduação, por curso e turno, no mínimo 50% (cinquenta
por cento) de suas vagas para estudantes que tenham cursado integralmente o
ensino médio em escolas públicas. Parágrafo único. No preenchimento das vagas
de que trata o caput deste artigo, 50% (cinquenta por cento) deverão ser
reservados aos estudantes oriundos de famílias com renda igual ou inferior a
1,5 salário-mínimo (um salário-mínimo e meio) per capita.” Desta forma, não há
que se falar em recorte racial dentro dos 25% como diz a matéria do Correio
Braziliense, mas dentro dos 50% a partir da lei aprovada no senado.
O que pode ter provado uma incompreensão é a redação do
parágrafo único deste artigo 1º, o qual menciona ser a metade das vagas
reservadas pela Lei destinada ao critério econômico sem mencionar aí o quesito
racial. De minha parte também me policio e me penitencio por não ter ido com
mais afinco a literalidade da lei aprovada. Já devia saber que nossa imprensa
nesta seara, a da questão racial, não tem a mínima credibilidade.
Após este introito passemos a analisar de o porquê este PL
pode ser considerado um avanço de inclusão racial em universidades públicas
federais. De antemão tenho de explicar algo que foge das preocupações de nossos
jornalistas, o uso indiscriminado e impossível da soma de negros e pardos,
quando o correto segundo o IBGE é a soma de pretos e pardos. Em nenhuma
passagem da lei usa-se o termo ‘negro’, pois o legislador foi bem assessorado
por alguém ou por sua própria inteligência sobre como é classificado o
seguimento negro em nossa sociedade segundo o instituto. É possível que a
imprensa tenha dificuldade no uso da palavra ‘preto’ imaginando estar cometendo
“um crime”. Usarei os critérios estabelecidos pelo IBGE na classificação da população
brasileira, ou seja, negros segundo o IBGE é a soma de pretos e pardos.(3)
Inicialmente tomarei como exemplo os estados onde se
concentram o maior número de negros e aí verificar um novo cenário mínimo de
matriculados, comparando com uma realidade anterior. E depois apresento os
estados onde o sistema de cotas poderá ser prejudicial em relação à sistemática
atual.
Comecemos por São Paulo. Neste estado a população de negros
está na ordem de 12.500.000 (32% do total do estado). Neste caso tomando como
base a UNIFESP, 9% de suas vagas em cada curso são disponibilizadas para as
cotas raciais seguindo a autonomia universitária que rege o sistema de ações
afirmativas. O PL fará com que este percentual aumente para 16%, pois o
percentual de 32% (proporção de negros em SP) será aplicado sobre 50%. (O caro
leitor deverá sempre aplicar o percentual de negros na federação sobre 50% das
vagas em todos os demais casos)
Em Minas Gerais, 10.400.000 negros (53% do total do estado),
sua principal universidade federal, a UFMG, não tem cotas raciais, mas um
programa de Bônus. Ou seja, um percentual X acrescentado à nota para quem vem de
escola pública e um percentual X+Y para quem vem de escola pública e se
autodeclara preto ou pardo. O problema deste sistema diz respeito à
possibilidade de quem não tem direito ao Bônus procurar tirar uma nota muito
superior aos bonificados e assim procurar anular os efeitos deste sistema de
ações afirmativas. Pois bem, com a adoção do PL 180 para a UFMG, o que antes
era imprevisível o número de negros matriculados em cada curso, agora teremos a
certeza que no mínimo em cada curso, a possibilidade de serem matriculados
negros e negras é certa, ou seja, 27% de negros em cada curso. Da
imprevisibilidade de terem negros, por exemplo, num curso de medicina, agora
podemos ter 27%.
No estado da Bahia, 10.800.000 de negros (82% do total do
estado), a reitora foi feliz em afirmar que apenas serão feitos alguns ajustes.
Neste estado, o percentual do IBGE pelas regras atuais se abate sobre 45% das
vagas, com a introdução da nova lei, o percentual do IBGE se abaterá sobre 50%.
Assim em cada curso haverá um acréscimo de matriculados, passando de 38% para
40%.
No Rio de Janeiro, pouco mais de 7.000.000 de negros (46% do
total do estado), o grande alvo é a excludente UFRJ – Universidade Federal do
Rio de Janeiro, que disputa no tapa com a USP para saber quem exclui mais
negros e negras dos cursos mais concorridos. Até que depois de muita pressão, o
conselho desta universidade resolveu adotar cotas, mas sociais. Raciais eles
desprezam. Assim sendo, num ambiente em que a possibilidade de ter turmas com a
ausência de negros segundo as regras estipuladas por sua autonomia, com este PL
aprovado, temos a oportunidade de vermos matriculados em cada curso, em cada
turma um percentual mínimo de 24% de negros aprovados.
No estado do Pará, a população está em torno de 5.400.000 de
negros (77% do total do estado) e haverá um leve declínio passando dos atuais
40% em cada curso e turma, em face do sistema de cotas implantado, para 38% ou
39% com a introdução dos critérios adotados pelo PL 180/2008.
Em Pernambuco e no Ceará a população de negros em cada
estado está na ordem de 5.300.000 (62% e 65% respectivamente do total geral).
Não existem ações afirmativas pelo recorte racial. Apenas em Pernambuco tem uma
bonificação social. Com o PL teremos uma grande revolução, ou seja, passaremos
a ter em cada universidade 31% e 32% de matriculados negros – respectivamente -
em cada curso e turno.
Para encerrar estes primeiros exemplos, temos o estado do
Maranhão, com uma população de 4.600.000 de negros (75% do total do estado). O
sistema de cotas raciais aplicado pela universidade promove a inclusão em cada
curso e turno um percentual de 25%. Com a introdução das regras previstas no PL
180, teremos um aumento para 38% em cada curso e turno.
Por outro lado, abro um parêntese para analisar os três
estados onde este PL poderá promover um decréscimo de vagas para negros, Rio
Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná.
No estado gaúcho há em torno de 1.700.000 de negros (16% do
total do estado). Em sua principal universidade UFRGS há uma previsão de 15%
para negros. Com o PL este percentual cai para 8% das vagas abertas destinadas
para negros.
Em Santa Catarina, 700.000 negros (12% do total do estado),
há previsão em cada curso de 10% para autodeclarados negros. Com o PL este
percentual beneficiado em cada curso e turno ficará em torno de 6%.
E finalmente o estado do Paraná, um estado com 2.660.000 de
negros (26% do total do estado). Na situação atual, sua principal universidade
federal, a UFPR, prevê 20% autodeclarados negros. Com a sistemática a ser
implantada, a previsão ficará em torno de 13%.
Estes três exemplos de perda não tem o condão de tornar
ineficaz a inclusão racial no Brasil como um todo. Não existe sistema perfeito
que atenda a todos quando estamos diante de número estatísticos. É um sacrifício
a ser suportado por poucos em prol da maioria.
Como podemos notar, o percentual de cotas nos estados onde a
população de negros é mais elevada fica distante dos números do IBGE, mas não
podemos deixar de observar uma grande mudança no Brasil como um todo. Mas de
100 anos de mentiras e massacre psíquico pós 1888 talvez tenha brecado uma
demanda por um maior número de vagas. Estamos numa transição e temos de
aproveitar o máximo possível os efeitos desta lei que nasce única e
exclusivamente por pressão do Movimento Negro – O legislativo é consequência
desta pressão.
Após a análise destes exemplos aqui trazidos, devemos nos
ater ao disposto no artigo 8º da referida lei quando menciona: “As instituições
de que trata o art. 1º desta Lei deverão implementar, no mínimo, 25% (vinte e
cinco por cento) da reserva de vagas prevista nesta Lei, a cada ano, e terão o
prazo máximo de 4 (quatro) anos, a partir da data de sua publicação, para o
cumprimento integral do disposto nesta Lei.”(2). Acredito que a pressão do
movimento negro obrigará que nenhuma universidade espere para por em prática
apenas no último ano o previsto nesta lei.
E para encerrar este artigo, ressalto que esta lei não se
dirige apenas a negros, mas também às demais etnias não-negras e também ao
grupo indígena deste país. Esta lei se abraça ainda às instituições federais de
ensino médio e técnico no Brasil.
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