quarta-feira, 13 de abril de 2011

Reafirmando Ações: Desconstruindo os Principais Argumentos contra as Cotas para Negros no Ensino Superior - Parte Final

Após uma longa pausa, damos continuidade à série. Pra quem não leu o começo, aqui estão a Parte 1 , Parte 2 e Parte 3.



4. “Cotas são atestado de inferioridade. Deve-se entrar na Universidade por mérito.” (ou Ações Afirmativas e Mérito Individual)

Dentre os argumentos contrários às cotas, aquele que provavelmente é mais difícil de rebater é aquele que defende a, assim chamada, “meritocracia”. De acordo com seus defensores, o mérito deve ser o único critério para a entrada em uma universidade, não podendo existir qualquer processo de diferenciação ou facilitação no acesso nos processos seletivos de ingresso ao ensino superior. Tal argumento por vezes possui certo caráter de acusação, pois coloca a Academia como um centro de excelência, que correria perigo caso pessoas sem a devida qualificação nela ingressassem. Neste ponto de vista as cotas são consideradas nefastas por auxiliarem determinados candidatos, algo considerado inaceitável. Refutar tal pensamento torna-se penoso, pois não há quem discorde que a competência seja exigência fundamental para a vida acadêmica. Entretanto, torna-se necessário refletir sobre o que caracteriza este tão alardeado mérito em entrar na universidade.

Primeiramente é preciso levantar a seguinte questão: o desempenho escolar conserva-se imune às especificidades dos diversos grupos sociais? Ou seja, é possível dizer que as desigualdades sociais (inclusive raciais) não interferem na formação dos indivíduos? Segundo trabalhos acadêmicos como CAVALLEIRO (2000) e PAIXÃO (2008), não é o que se verifica. Existe uma extensa bibliografia demonstrando que as desigualdades raciais, sobretudo no que concerne à discriminação no ambiente escolar e no mercado de trabalho, têm um severo impacto negativo para a população negra. Guimarães (2003) coloca uma série de inquietações que, se não rebatem totalmente as anteriores, podem apontar um paradigma distinto para a discussão, mostrando que a educação deve primar por incluir em vez de ranquear.
é necessário que fique bem claro o objetivo das universidades públicas: elas se destinam apenas aos mais competitivos e mais capazes? [...] Qual é o perfil que se deseja para o alunado dessas escolas? Como evitar uma associação perversa entre competitividade e nível de renda? Entre competitividade e identidade racial?
GUIMARÃES, 2003, p. 81.

Não deixa de ser curioso perceber que este mérito acima da cor ou origem do candidato leve sempre a contemplar a população branca de maneira mais representativa nas universidades brasileiras, mesmo em regiões do Brasil em que sejam um grupo minoritário. Guimarães cita dados do Programa A Cor da Bahia, que verificou a distribuição de estudantes segundo a cor nas seguintes IFES: UFRJ, UFPR, UFMA, UnB e UFBA. Em todas as instituições o alunado negro é minoritário, mesmo nos estados em que a população branca é majoritária. Destacam-se os casos do Maranhão (42,8% de alunado negro na IFES com 78,7% de população negra no estado) e da Bahia (42,6% de alunado negro na IFES com 79,1% de população negra no estado) (GUIMARÃES, 2003, p. 35).
Sales Augusto dos Santos convida a uma reflexão ainda mais profunda, desconstruindo o próprio conceito de mérito vigente e invertendo a equação. Se a população negra enfrenta uma trajetória escolar mais conturbada, já possui mais mérito simplesmente por concluir o ensino médio, naquilo que é colocado na diferenciação entre o chamado “mérito de chegada” (que leva em conta toda a vida escolar) e o “mérito de chegada” (a competitividade para passar no vestibular).

Faz-se necessário saber de quem é o mérito ou, se se quiser, quem tem mais mérito. Serão aqueles estudantes que tiveram todas as condições normais para cursar os ensinos fundamental e médio e passaram no vestibular ou aqueles que, apesar das barreiras raciais e de outras adversidades em sua trajetória, conseguiram concluir o ensino médio e também estão aptos a cursar uma universidade?
SANTOS, 2003, p. 113.


CONCLUSÃO

A partir de uma pesquisa em obras que tratem das relações raciais no Brasil é possível desmistificar preconceitos e superar visões embasadas pelo senso comum e pelo racismo que deturpem as finalidades das ações afirmativas, colocando a opinião pública contra as mesmas por influência de tais discursos tendenciosos, o que termina por manter as desigualdades existentes na sociedade brasileira.

É bom também lembrar que as cotas não premiam ninguém com vagas nem com aprovação automática. Os cotistas enfrentam a mesma prova e têm que passar pelo mesmo rigor na correção. A única diferença é que eles concorrem com estudantes que possuem origem social e trajetória escolar similar em vez de fingir uma posição de igualdade entre os pleiteadores das escassas vagas das IPES.





  




1 comentários:

Adriana Cardoso Sampaio disse...

Maravilhosa pesquisa fizeste amigo Richard!!
Muitas vezes nos perdemos sem saber como defender a igualdade racial, e dentro dela, a política de cotas nos espaços nos quais atuamos...
Isto acontece principalmente por falta de acesso à leituras e pesquisas, como a que você produziu, que nos abrem os olhos e que nos encoraja, fundamentadas/os em estudos e pesquisas realizados por especialistas na área, a participar de discussões acerca da temática, bem como de tomar posicionamentos ativos perante a discriminação étnico-racial nos mais diversos espaços sociais que participamos.
Obrigada por sua colaboração nesta luta pela igualdade humana...

Postar um comentário

 
Copyright © 2009 Ofensiva Negritude All rights reserved. Powered by Blogger
Blogger Template by Anshul