quarta-feira, 18 de maio de 2011

Empresa paulista seleciona a partir da cor da “cútis”

Clientes que procuram empregados domésticos têm a opção de exigir pessoas brancas ou negras. Deputado vai acionar a Federal

POR MARCOS GALVÃO
Rio - A cor da pele vem sendo usada como critério para a contratação de pessoal em São Paulo. Conforme a reportagem de O DIA constatou ontem, a empresa de recursos humanos Resilar, situada no bairro Vila Mariana, Zona Sul da capital paulista, dá ao cliente a opção de escolher, na ficha que preenche no site, a opção “cútis” (pele) para ajudar a definir o “perfil” do empregado que quer em sua casa.

Criado em 1989, o Estatuto da Igualdade Racial pune com pena de prisão de um a três anos o preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. Para o deputado federal e ex-ministro da Igualdade Racial, Edson Santos, o site (www.resilardomesticas.com.br) da empresa é uma forma de segregação racial. Ele promete levar o caso à Polícia Federal.
Em telefonema da redação de O DIA à Resilar, um repórter se fez passar por contratante e uma funcionária da empresa confirmou que o critério de seleção é baseado na etnia. Ao pedir informações sobre opções de perfil de empregada doméstica, a funcionária respondeu: “O senhor tem que me dizer o serviço que ela vai exercer na residência, a idade, alguma preferência de etnia...”, explicou. Depois, disse que a pergunta sobre etnia é feita para evitar possível “constrangimento” durante a fase de entrevistas, em que empregado e patrão em potencial ficam cara a cara.

Sede da Resilar fica em prédio de dois andares, na Zona Sul de São Paulo | Foto: Daniel Ramalho / Agência O Dia
Em visita à sede da empresa, em São Paulo, equipe de O DIA perguntou a uma funcionária da Resilar os critérios da escolha de uma empregada doméstica e também ouviu como resposta que a cor da pele é usada como fator de seleção. Informada sobre a denúncia de racismo, uma outra funcionária afirmou, por telefone, que o “responsável pela empresa” só estaria na sede hoje, às 10h.
A presidente do Sindicato das Empregadas Domésticas do Rio, Carli Maria dos Santos, achou um absurdo o critério adotado. “É muito descaramento. Geralmente, as empresas pedem fotos e escolhem as pessoas pela aparência. Aí, não temos como provar que há preconceito. Neste caso, a discriminação é clara”, disse.
Brasil tem 7 milhões de domésticas
De acordo com pesquisa do IBGE, cerca de 7 milhões de brasileiras desempenham a função de empregadas domésticas, sendo que 73,8% do total não têm carteira assinada. A maioria é negra.
Na informalidade, de acordo com a pesquisa, as empregadas acabam ganhando 30% menos das que têm carteira assinada. Quando a trabalhadora é negra e vive na informalidade, o ganho é ainda menor: o equivalente a 64,7% do salário mínimo por mês.

Ex-ministro da Igualdade Racial garante: é racismo
Procurado por O DIA, o deputado federal Edson Santos (PT), ex-ministro da Igualdade Racial, disse que vai protocolar denúncia de racismo contra a Resilar na Polícia Federal. Ele também vai denunciar o caso no Ministério Público Estadual de São Paulo, e falou que abordará o assunto na reunião de hoje, na Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, em Brasília.
Edson Santos disse que não tem dúvidas de que a Resilar praticou racismo. “Ao usar a expressão cútis no site, está claro que o critério de seleção é baseado na etnia, o que é proibido”. 

O deputado viu com tristeza o critério usado na seleção dos funcionários. Ele disse que, agindo desta forma, a empresa deixa de oferecer emprego a grande parte da população. “As empregadas domésticas são, geralmente, pessoas muito humildes. E a maioria é negra. Com certeza, uma parcela grande destas profissionais está ficando fora do mercado de trabalho devido à questão racial.”
FUNCIONÁRIA EXPLICA COMO É A SELEÇÃO
O DIA: É da Resilar?
ATENDENTE: Isso
Oi, eu vi o site de vocês e gostaria de tirar umas dúvidas e obter algumas informações.
Pois não, pode falar.
Que tipo de serviços vocês oferecem? Só diaristas?
Não, aqui temos empregados domésticos de modo geral. Tanto diarista, quanto arrumadeira, passadeira, copeira, serviços gerais e empregadas domésticas.
Certo. Deixa eu te explicar: eu moro aqui no Rio e minha irmã ganhou um bebê há pouco tempo. Estou precisando contratar uma babá. Gostaria de saber como vocês fazem a seleção da funcionária.
A Resilar tem 40 anos de tradição nessa área. Há cadastros de funcionários qualificados há mais de um ano na empresa, e a gente já tem bancos de dados de profissionais. Então, você abre a solicitação, eu verifico no banco de dados que eu tenho aqui, que é o da empresa e o pessoal, e vejo se encaixou o perfil. Se encaixar, eu aviso ao senhor, e o senhor entrevista aqui ou onde o senhor estiver. Se for para trabalhar no Rio de Janeiro, não vou abrir a solicitação.
Ela mora em São Paulo mesmo. Ela está morando há algum tempo em São Paulo. Aí, eu preencho o cadastro pela Internet?
Aí, tem um cadastro parcial, mas, se o senhor quiser me passar mais detalhes por telefone, eu acho mais viável, porque tem algumas coisas que a gente precisa perguntar para vocês e que são necessárias para a seleção sair corretamente.
Eu tenho um perfil que eu gostaria. Vocês fazem a seleção mediante perfil?
Exatamente.
Eu também posso fazer um cadastro baseado nas fotos da pessoa. Posso escolher pela foto?
Eu faço a seleção aqui da seguinte maneira: o senhor abre a sua solicitação, eu faço o seu cadastro inicialmente, confirmando telefone, endereço, o que é norma da empresa. A pessoa que for selecionada dentro do perfil que o senhor me passar, todas elas já estão com referência, antecedentes indicados. Ou o senhor entrevista aqui na agência de uma vez ou recebe elas onde achar melhor. Pelo perfil, o senhor vai passar justamente os detalhes. Se gosta de alta, baixa, gorda, magra, feia, bonita, e vamos escolher pelo perfil da pessoa, baseado naquilo que o senhor me passou.
De que tipo de informação você precisa?
Por exemplo, se o senhor precisa de uma empregada, o senhor precisa me passar tudo. E também o nome completo da empregadora, endereço, telefone e local da entrevista. Sobre a empregada, o senhor tem que me dizer o serviço que ela vai exercer na residência, a idade, alguma preferência de etnia, alguma coisa assim. A pessoa tem que me falar também, senão vai constranger ambos. 

A senhora pergunta antes para não constranger, né?
Para evitar um constrangimento tanto para você quanto para ela, tipo assim, pessoas de um tipo, eu mando de outro, então já pergunto tudo para evitar isso.
Mas aí nesse cadastro você pode me mandar umas fotos e eu selecionar dentre essas fotos?
Não, não trabalhamos com fotos. O senhor já vai me dizer o tipo da pessoa para a gente responder. Não mandamos fotos de ninguém por e-mail.
Então, eu mando essa relação para você e, dessas, você seleciona umas seis e, das seis, eu posso escolher uma? É assim?

Eu vou selecioná-las e vou chamá-las aqui na agência. O senhor vai vir até aqui, se for o caso, e vai entrevistá-las aqui na agência. Tem uma sala individual, o senhor vai entrevistar uma de cada vez. Depois do término, o senhor vai me dizer qual delas selecionou.
Vou ligar para minha irmã e pegar os dados dela completos. Você precisa mais do quê? Do endereço e do nome dela completo, né?
Eu preciso do endereço onde a pessoa vai trabalhar, telefone residencial, bairro etc, contatos, entendeu? Essas informações são para dados cadastrais e serão checadas para a gente saber se a pessoa existe.

Fonte: O Dia

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