As fotos tiradas ainda no hospital não deixam dúvida: o corpo da comerciante Mariluz de Souza reagiu com muita força a uma intoxicação. “Ela deu entrada na emergência do hospital. Ela estava com a face inchada e com feridas no couro cabeludo, perdendo parte do cabelo”, contou o alergista Juliano Coelho Philippi.
Ainda internada, Mariluz fez vários testes, como o de alergia. “Foram aplicadas 40 substâncias. Para Mariluz, uma substância deu resultado alérgico: formaldeído, o formol. Dá para se afirmar, com certeza, que a reação foi por conta do formol. Desde perda do couro cabeludo até eventualmente óbito poderia acontecer”, alerta Philippi.
“Eu lembro os flashes do momento que eu entrei no hospital, que caiu minha ficha que eu pensei: ‘Meu Deus, mais uma que vai passar na televisão: mulher morre ao fazer escova com o formol’”, comentou Mariluz.
O formol começou a ser usado para alisar os cabelos há dez anos, nos salões de beleza do subúrbio do Rio de Janeiro. “Fui eu que inventei. De uns seis meses, um ano para cá, está todo mundo em cima tentando fazer e fazendo”, comentou um cabeleireiro à época da reportagem.
Esse tipo de alisamento, que ficou conhecido como escova progressiva, virou febre também entre as paulistanas e depois chegou ao país inteiro. Até que, em 2004, veio o alerta do Instituto Nacional de Câncer (Inca). “O formol foi classificado, desde 2004, como um agente reconhecidamente cancerígeno”, afirma Ubirani Barros Otero, epidemiologista do Inca.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o formol está relacionado ao aparecimento de tumores no nariz, na boca, na faringe, na laringe e na traqueia. Também pode atacar o fígado. O câncer pode levar anos para aparecer.
“Se as pessoas começaram a usar esse procedimento nas mulheres a partir de 2000, lá para 2020 ou 2030 a gente pode ter uma mudança no perfil dessa doença no Brasil”, prevê a epidemiologista do Inca.
Por conta do uso em alisamentos, em 2009, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) proibiu a venda de formol puro no país todo. Mesmo assim, ele continuou sendo usado agora com outros nomes: escova inteligente, marroquina, egípcia, de chocolate, entre outros.
Uma cabeleireira admite: “Quando o cliente pergunta se tem formol, a gente responde: ‘Não tem, é proibido, a gente não usa formol’. Mas na verdade tem formol, sim”.
Quando a comerciante Mariluz de Souza procurou um salão de beleza em Cuiabá para fazer um alisamento nos cabelos, ela deixou bem claro para cabeleireira. “Disse que eu não queria que fizesse escova com formol. Ela respondeu que a dela não continha formol”, afirma Mariluz.
Nós procuramos a profissional que atendeu a Mariluz. Ela disse ter aplicado um produto com pouquíssimo formol: 0,2%. Nessa quantidade, autorizada pela Anvisa, o formol atua apenas como conservante e não provoca riscos à saúde. Se a mistura alisar, é porque tem mais formol do que devia.
Produtos para alisamento
As equipes do Fantástico foram às ruas comprar alguns dos produtos mais usados nesse tipo de alisamento. Entre os pontos visitados está uma feira internacional de estética, realizada em outubro passado, no Rio de Janeiro. “É a mais conhecida de todo o Rio de Janeiro”, comenta o vendedor. Ele diz que o produto tem só o formol liberado: “0,2%”.
Já em outro estande, a resposta é outra. “A empresa fala que é 2%. Então, eu passo que é 2%, mas eu acredito que seja mais”, conta a vendedora.
Nos salões, foram comprados os alisantes diretos dos cabeleireiros. Em Madureira, no subúrbio carioca, a cabeleireira separa o produto na hora. “Esse tem bem pouco formol. Não é aquilo que mata o povo”, diz.
Em um salão em Ipanema, a conversa dura poucos minutos na frente das clientes. “O produto está aqui dentro. Só que o produto que está aqui dentro não é o que está na embalagem”, revela um cabeleireiro. "Esse é o produto que um químico faz. Isso normalmente se compra em fábrica. Eles são muito fracos.”
Nós trouxemos todos os produtos para serem analisados no instituto de química da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). A metodologia usada é a mesma recomendada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para esse tipo de produto. A implantação do método e os testes levaram quatro meses, e os resultados são assustadores.
Resultados de testes
Um produto comprado em um salão de beleza em Ipanema, na Zona Sul do Rio, possuía 6,66% de formol, mais de 30 vezes o valor permitido. “A gente não trabalha mais. Todos os nossos produtos não têm nada de formol”, garantiu o cabeleireiro, que admitiu trabalhar com formol até pouco tempo atrás. “Todo o Rio de Janeiro fazia.”
O resultado do teste do alisante comprado no salão de Madureira indicou 3,55% de formol. “Eu não sabia. A gente compra de um fornecedor. Então, a gente não tem como ver se o negócio tem formol”, alega a cabeleireira.
E o produto que deixou a Mariluz no hospital? Uma amostra da mistura que foi usada apresentou 24 vezes o limite permitido. “Isso aqui para mim também é uma surpresa, porque eu não tenho como analisar o produto. A gente usa o que é vendido”, justifica a cabeleireira Cristiane Maldonado.
No total, das 11 marcas testadas, sete tinham mais formol do que o permitido – até 24 vezes mais.
Fabricantes
Em nota, o fabricante da escova Onyx “nega que tenha usado formol acima do permitido” e admite que “pode ter ocorrido algum problema de manipulação”. O laboratório responsável pelas marcas Eagle e Alfa Trat diz que os produtos testados não são dele – “são falsificados” e que vai “levar o caso à polícia”.
O laboratório que aparece na embalagem de Algo Mais diz que "não fabrica mais" o produto e que o seu nome "está sendo usado indevidamente". O fabricante citado no rótulo de Liss Perfect não atendeu a reportagem.
Em um primeiro contato, o representante da Vitalise disse que enviaria uma nota, mas não o fez e não atendeu mais as ligações dos nossos produtores. O responsável pela marca Bottox não foi encontrado. O CNPJ e o endereço informados no rótulo são incorretos.
Mas todos esses produtos com formol fora da lei trazem no rótulo uma autorização de funcionamento da Anvisa. Como pode isso?
“A lei diz que o estado e o município têm que fiscalizar. Quem está errando é o bandido, que está fazendo um produto em desacordo com a legislação sanitária, utilizando ingrediente proibido. O que eu tenho que fazer? Chamar a polícia para prender esse bandido”, afirma Josineire Sallum, gerente-geral de cosméticos da Anvisa.
A Anvisa também culpa as consumidoras. “Responsáveis por ainda ter o formol no mercado são as mulheres, que se utilizam desse procedimento e não deixam de utilizar”, acrescenta a gerente-geral de cosméticos da Anvisa.
Os resultados assustaram o médico Anthony Wong, especialista da Universidade de São Paulo (USP) em substâncias tóxicas. “É extremamente perigoso. A pessoa que utilizá-lo profissionalmente ou está aplicando em uma pessoa que precisa fazer isso está causando sérios danos à saúde, porque está muito acima do limite permitido, mas muito acima do limite de segurança”, alerta.
Em concentração tóxica, o formol atinge o organismo de várias maneiras. Em contato com o couro cabeludo, ele provoca uma espécie de queimadura química. A pele fica irritada e, em resposta, o corpo aumenta a circulação de sangue naquela região.
O formol, também conhecido como formaldeído, penetra pela área ferida e cai diretamente na corrente sanguínea, se espalhando pelo corpo. Durante a aplicação nos cabelos, ele evapora e pode ser inalado por todos que estão no ambiente. A substância provoca irritação do nariz e da garganta. Em casos extremos, a pessoa ter uma laringite aguda e ficar sufocada.
Ao descer pelo organismo, causa ainda o fechamento da traqueia e dos brônquios, também dificultando a passagem de ar.
Em casos extremos, o formol pode levar ao colapso da circulação. Isso acontece quando há uma dilatação geral do organismo. O coração é afetado e há uma queda de pressão. A pessoa pode entrar em choque e morrer.
Uma cabeleireira que trabalha na área há 15 anos, diz que faz até dez escovas progressivas por dia e sente os efeitos no próprio corpo. “Saí de licença médica por causa do uso do formol umas quatro vezes”, contou. Segundo ela, muitos produtos são manipulados no próprio salão de beleza. “O formol é colocado junto com outros, com creme, acrescenta mais algumas coisas de queratina, ampolas que não tenha cheiro, essas coisas todas”, diz a cabeleireira.
A procura pela escova gerou um mercado clandestino de venda de formol. Na internet, várias páginas oferecem a substância pura para ser usada em alisamentos. “Às vezes alguns profissionais fazem o que a gente chama de batizar o produto. Eles pegam o creme hidratante de uma empresa tida como séria, adicionam o formol e aplicam nos cabelos”, comenta o cabeleireiro Alexandre Xavier.
Com uma troca de emails e um telefonema, o Fantástico negociou a compra de cinco litros. Fomos a Belo Horizonte buscar a encomenda. “É proibido vender em farmácia. Antes era encontrado fácil. Como as pessoas estavam abusando em cabelo, eles proibiram a venda em farmácia. Eu trabalho com produto químico para limpeza, e o formol é usado para fazer o detergente”, revela a mulher. Depois da venda, ela ainda dá um aviso: “Só assim: se vocês forem abrir, tem que abrir em local aberto, porque o cheiro é muito forte”.
No Hospital Municipal Salgado Filho, na Zona Norte do Rio, a negociação com um maqueiro acontece do lado de fora. “O cara que está lá disse o seguinte: que ele arruma até um lá, mas depois ele não vai poder arrumar mais para a senhora. Ele vai quebrar seu galho, mas ele falou que vai querer R$ 70. Um litro.” Minutos depois, outro maqueiro volta com a garrafa de formol.
Em uma funerária em Nilópolis, Baixada Fluminense, que usa o formol na preparação de cadáveres, foram comprados dois litros. “Olha, eu já vendi [para salão]. Inclusive eu já arrumei um desses para minha vizinha, que é cabeleireira. Ela já usou e ela nunca falou nada. Inclusive usou no cabelo da minha mulher”, diz o funcionário da funerária, que mostra uma foto. “Aqui o cabelo dela como ficou, da minha esposa, lisinho”, destaca.
Já na saída, o funcionário da funerária reconhece a ilegalidade do que acabou de fazer. “Deixa eu falar uma coisa para a senhora: isso aí fecha as nossas portas. Isso fecha as portas”, reconhece.
É o formol puro que vai parar na cabeça de mulheres como Vanessa Magalhães da Silva. Ela começou a fazer a escova aos 17 anos e reaplicava o produto a cada três meses. “Sempre tive consciência de que poderia causar algum mal, mas continuei fazendo porque era bom. Se para ficar liso tinha que por o formol puro, que colocasse o formol puro”, afirma.
Em uma das aplicações, o desconforto foi grande demais. “A última vez, que foi quando eu me assustei de verdade, foi porque eu estava de máscara, com uma toalha, e ainda assim eu tive dificuldade de respirar. Eu me assustei. Foi a última vez que eu fiz, nunca mais fiz”, conta Vanessa.
A bacharel parou com a escova progressiva há cinco anos, mas ainda convive com uma ferida no couro cabeludo. “Eu tenho dificuldade com ela no verão, porque acho que sua mais na região. Ela abre, coça e às vezes sangra”, revela.
A comerciante Mariluz de Souza, de Cuiabá, não teve sequelas. “Fiquei traumatizada com escova inteligente, progressiva, não sei que nome dar, mas com formol nunca. Aquele sentimento de ‘Vou processar, vou fazer isso’ não vem na minha cabeça. Na minha cabeça, eu só estava agradecendo a Deus o tempo todo de eu estar viva”, comemora a comerciante.
Fonte: G1.com.br
Lembramos que já mostramos aqui anteriormente uma pesquisa que comprova que Nos EUA, chapinha brasileira é classificada como tratamento que dá câncer
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